Socorro!

E

Era uma bela manhã de fins de maio, época preferida pelos cineastas para filmar cenas externas no trópico de Capricórnio, onde e quando o Sol incide limpo sobre a terra, atravessando uma atmosfera sem nuvens.

O set de filmagem estava montado na areia da praia, ao fundo o mar carioca. Por vício, Alice deu uma última ajeitada no cabelo e colocou-se na posição que o diretor lhe havia indicado.

– Câmera, ação!

Ela começou a despir-se, delicadamente tirando uma a uma as peças de seu vestuário, fazendo aparecer seu magnífico corpo. De repente, quando já estava quase nua, um rapaz que participava da filmagem saltou sobre ela. A rudeza do movimento a derrubou, ele por cima, tentando beijá-la, ela se debatendo.

Logo imobilizado pelos seguranças da filmagem, o agressor parecia assustado, como se estivesse acordando de um pesadelo, como não se desse conta do ocorrido. Mesmo assim, levou uns socos e alguns chutes antes que percebessem que trazia no olhar uma expressão inocente.

Soltem ele, é o Rodolfo da produção, alguém gritou.

Rodolfo era um rapaz pacato, solteiro por falta de opção. Todos que o conheciam, apreciavam seu jeito tímido, calado, que sorria de qualquer piada ou gracejo – alguém bom de ter ao lado.

Dolorido, incessante, desculpava-se – perdão, perdão, perdão… 

Não era a primeira vez que aquilo lhe acontecia, aquele descontrole, aquela tara. Era praticamente virgem. De sexo, só conhecia a masturbação. Nunca tivera coragem de abordar alguém, nem de deixar-se abordar. Fugia de qualquer intimidade e depois se perguntava: por quê.

Não era belo, embora o tivesse sido na adolescência. Tampouco era feio ou repulsivo. Entretanto, devia exalar algum tipo de odor ou energia que impedia que as pessoas o tocassem. Sabia que isso não era normal e buscava dentro de si uma causa. Como os tratamentos que muitas vezes vira na tevê em sessões de psicanálise, tentava lembrar-se da infância.  O salário de assistente de produção não era suficiente para pagar um analista, assim, tentava por si mesmo lembrar-se de algo traumático que lhe acontecera, mas nada – sua infância era como uma página em branco, sem som ou imagem.

De uns tempos pra cá, de vez em quando acontecia um ato parecido. Perdia o controle, agarrava alguém que por ele passasse, quem quer que fosse, sem distinção de sexo, idade ou aparência. Quando caía em si, arrependia-se e chorava.

Não queremos tarados, principalmente num filme como esse, bradou o diretor com sua voz petulante.

Alice, a atriz atacada, condoeu-se – Não faça isso, a culpa não foi dele. Fui eu quem provocou. Pisquei pra ele, não sei por que…

Silêncio no set de filmagem.

– Sei que você tem um coração muito mole, mas não adianta querer protegê-lo. Você fazia apenas o que eu lhe pedi. Se ele não aguenta se comportar diante de uma mulher que tira a roupa, não pode trabalhar em nossos filmes ­– sentenciou o diretor.

– Deixe, ao menos, ele se explicar – ela insistiu.

– Está bem. Rodolfo, pode justificar o fato de ter atacado nossa atriz no meio de uma filmagem? De colocar em risco o corpo e a imagem dela, e o próprio filme. E se ela tivesse quebrado uma perna ou braço?

Rodolfo olhou ao redor, todos os olhares pregados nele, e gritou com todas as forças de seus pulmões – socorro!

O diretor de cena, rapaz sensível, comoveu-se com aquele grito, com o olhar desesperado do autor, avançou e o abraçou fortemente. Alice, a atriz que tudo desencadeara sem querer, também se juntou ao abraço, e com ela, outros também aderiram, num amontoado solidário.

O diretor sentiu-se desmontar. Sua mente brilhante que sempre achava uma solução para os problemas da filmagem, agora estava calada, não lhe dava nenhuma ajuda, nenhuma pista do que fazer ou dizer, senão calar-se.

 Compartilhar no Facebook

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *