Um novo caminho

Nascido em lar abastado, Joel crescera cercado de mimos. Só vivia para si mesmo, tinha como sonho único jogar pela seleção brasileira de voleibol. Passava boa parte do dia batendo numa pobre bola. Mas um dia, um fato mudou seu destino – seu time de voleibol foi convidado para um torneio no nordeste.
– Ceará?
– Universidade de Fortaleza.
Era fevereiro de 1964. Naquele tempo, as praias do nordeste ainda não eram destino de turistas. Apesar de capital de um estado, Fortaleza parecia uma cidade provinciana. Joel, que já vivera nos Estados Unidos no chamado primeiro mundo, encarou a ida ao Ceará como uma aventura extravagante, um safári. Ingênuo, não desconfiava que aquela viagem fora planejada por militantes socialistas da Ação Popular. O objetivo secreto da competição de voleibol entre universitários era político. Alguns líderes estudantis patrocinavam tais eventos que eram uma oportunidade de conviver com muitos atletas por uma semana, chance para convencer boa parte deles a se juntar ao movimento das esquerdas que naqueles dias fervia, sobretudo nos centros acadêmicos das faculdades.
Logo que chegaram a Fortaleza, os atletas foram cercados de atenção e bons tratos. À noite, depois do jantar, conheceu Augusto, líder estudantil, que convidava os atletas a visitarem a cidade na manhã seguinte sob sua guia. Já mais velho que os demais, Igor era um estudante profissional, ou seja, pulava de universidade em universidade, de Estado em Estado, agitando os universitários contra o sistema, angariando gente para o movimento socialista e organizando células de ação política.
Na manhã seguinte, os atletas partiram para a excursão. Percorreram primeiro os bairros mais ricos da cidade, os mais limpos e bem tratados como a Aldeota, e no final, o objetivo do tour – a favela.
Cauteloso, mas atento, pois jamais vira um lugar como aquele, Joel seguia o guia por vielas tortuosas. Aquelas imagens ainda percorrem sua mente sempre que algum mau cheiro traz de volta o passado: crianças esqueléticas, barrigudas, famintas, mesmo assim sorrisos de gengivas desdentadas, brincando no córrego onde o esgoto despejava. Igor nada comentava, apenas apontava o caminho.
Do outro lado, na saída da favela, um lixão. Em meio à sujeira, ao lixo que os caminhões despejavam, crianças disputavam restos de comida. Joel sentiu náuseas, conteve o vômito. Ao lado, sentado sobre uma lata vazia, um ancião, talvez avô de alguma delas, observava inerte, olhar cansado de tanta esperança.
Naquele dia, Joel sentiu-se adentrando um novo caminho, rompendo couraças que reprimiam emoções reais, e vazando, pela primeira vez, um sentimento até então desconhecido – a alegria e o sofrimento do outro.

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