Era como dançar com a tia Elza

Crepúsculo. Caminhava pelas ruas do centro da cidade na contramão da correria de gente saindo do trabalho. Então passou por mim uma senhora e seu perfume invadiu a memória do meu nariz – o perfume da tia Elza.
A família, de Mato Grosso, aos poucos veio se mudando pra São Paulo. Meus pais foram os primeiros. Embora não fôssemos ricos, tínhamos uma casa grande onde hospedar os que vinham do interior passar férias, festas de fim de ano, ou para se tratar, uma vez que não havia bons hospitais onde moravam.
Justo no dia do meu aniversário de seis anos chegou tia Elza. Que presente! Veio para ficar, fazer a faculdade de matemática, precisaria morar conosco pelo menos durante quatro anos. Gostei dela logo que vi seu rosto sorridente, as formas arredondadas…
Naquele tempo, qualquer acontecimento era motivo para comemoração. Quase toda semana tinha um arrasta-pé em casa ou na vizinhança. De tarde o chão era lavado e quando o povo começava a chegar, jogavam fubá no chão de cimento pros passos deslizarem mais fácil.
Tia Elza me ensinava a dançar. No começo eu subia nos pés dela e era conduzido por seus passos ao redor da sala. Depois, já não precisava pisar. Quando me chamava, eu corria, agarrava-lhe a cintura e encostava o rosto entre seus seios, na minha altura. Não havia sensação melhor que aquela: a maciez, o calor e o perfume que só ela usava. Minha cabeça de criança não conseguia entender o que acontecia comigo, como se eu fosse transportado para um balancim em alta velocidade.
Outra coisa que não esqueço é dos domingos, quando ela passava o dia todo em casa. Lembro bem, devia ter uns oito anos, meu pai comprou nossa primeira televisão. Lembro bem, sentado ao lado dela, rindo das piadas do palhaço Arrelia. Ela deixava crescer as unhas dos mindinhos, bem pintadas de rosa suave. Enquanto apreciávamos a televisão, ela colocava a unha do mindinho em minhas orelhas com muita delicadeza, um cafuné. Além do perfume que até tonturas me causava, o roçar de suas unhas fervia o meu sangue.
Quando entrei no ginásio, não gostava de matemática, ia mal, notas baixas. Meus pais trabalhavam muito, não tinham tempo para se ocupar com o estudo dos filhos, coisa comum naqueles tempos. Tia Elza, porém, olhava meu boletim e se preocupou a ponto de propor que me daria aulas particulares duas vezes por semana depois do jantar.
Fiquei super feliz, mesmo sabendo que perderia os jogos de queimada que aconteciam todas as noites na calçada da rua naquela hora. Amava aqueles encontros, sentados lado a lado, o mesmo perfume, seus lábios cor de amora que se abriam num sorriso de fada. Não aprendia quase nada, inebriado pela presença dela.
– Tá no mundo da lua, menino? Preste atenção!
Censurava com suavidade, a voz tão aveludada, como eu poderia me concentrar na lição? Ela parecia não ligar para os meus fracassos nas provas, para o fato de eu não estar conseguindo aprender o que ela me ensinava, não desistia de ensinar, não desistia daquelas aulas noturnas. Cheguei a pensar que ela também gostava daquilo que acontecia entre nós, das sensações maravilhosas que me atacavam quando ela chegava perto.
Quando terminou a faculdade ela voltou para o interior. Era natal quando partiu. Foram as piores férias da minha vida, cheguei a chorar escondido, mas a tristeza durou apenas dois meses, quando teve início um novo ano escolar. No pátio, antes da primeira aula do ano, senti aquele cheiro – o mesmo perfume. Seria possível? Procurei a fonte e encontrei. Era uma menina linda que jogava as tranças de um lado pro outro enquanto falava. Quando bateu o sinal, ela entrou na minha classe, era uma novata.
Sentei-me atrás dela. Era como dançar com tia Elza.

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