Oco do Mundo

Criado no oco do mundo, favela Paraíso, completava 18 anos naquele dia. Despertou preguiçoso, quase desistindo de ir trabalhar – É meu aniversário, pô! – porém a fome falou mais forte. Sabia que no barraco não havia nada pra comer. Tampouco tinha moedas pro café, pão e manteiga do boteco da esquina. Tirou as ramas de mandiocas da tina d’água, escorreu, enxugou e colocou no carrinho de mão, como fazia todas as manhãs. Trancou o casebre calçando a porta com uma pedra, e desceu o morro pela trilha que conduzia à estação de trem. Lá chegando, já ia se encaminhando pro lugar de costume, embaixo do sol, quando um pensamento inusitado o fez mudar – É meu aniversário, posso sentar na sombra, embaixo da árvore, única habitante vegetal daquele...

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Cheirando Cola

Mulheres empetecadas, braços dados com seus homens de gravata, expunham convincentes caras de fé adentrando a catedral. No altar e por toda a nave, outros padres ajudavam o cardeal, ostentando suas fantasias de lá pra cá. Nos primeiros bancos, uma dúzia de crianças de rua, banhadas, vestidas, treinadas para assistir aquela missa. Representavam, oficialmente, todas as crianças homenageadas naquela data – dia da criança. Carlos, um menino morador de rua, 12 anos, animado pelo movimento, entrou na igreja e como ninguém o impedisse, caminhou direto pra escadaria do altar, atraído pelas coloridas e afeminadas estátuas de santos. Naquele instante, a celebração iniciou com o coro cantando. Uma ducha de emoções despejou sobre ele o passado, quando era bem...

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