Sopa de batatas
– Outra vez sopa?
– Foi o que deu pra fazer, só tinha legumes.
– Legumes? Aqui só vejo batata.
– É que a cenoura era pouca, deixei muito no fogo, se desmanchou, desculpou-se a mãe.
– Essa porcaria eu não como – reclamou o menino, deixando a mesa, a cozinha, a casa – Vou comer por aí – pensava.
Morava num sítio, tinha de caminhar seis quilômetros até o boteco da vila que vendia de tudo, comida também. O dono lhe dava pedaços de pão amanhecido quando aparecia faminto. Mas dessa vez, sol a pino, a fraqueza abateu-se sobre ele. Percebeu que não aguentaria caminhar até o lá, mudou de objetivo mudou – Vou roubar manga!
O sol ardia e arrancava-lhe suor, o estômago roncava a cada passo. Era muito magro, não tinha reservas que lhe permitissem deixar de comer por muito tempo, mas era orgulhoso.No caminhar cada vez mais lento, a memória do cheiro da sopa de batatas da mãe vinha agora apertar-lhe a barriga.
Parou cansado, um tronco de árvore caído serviu-lhe de assento ao abrigo do sol. Nem chegara à metade do caminho e já estava exausto, e o arrependimento começou a atentar-lhe a mente – E agora, voltar, pedir perdão? Não! A fazenda das mangas está próxima, mais meia hora de caminhada…
Por fim, chegou. Havia apenas uma cerca de arame farpado entre ele e as mangueiras. Juntou água na boca. Lembrou-se do cachorro – Fica preso, só é solto de noite.
Arranhou-se no arame farpado, nem ligou diante da visão das mangas maduras. Chegou ao pé ofegante, respirou fundo, e apesar de exausto, subiu pelo tronco da árvore, animado pelo amarelo das frutas.
Colheu logo quatro mangas, enfiou nos bolsos apressado, tinha de sair dali antes que alguém o visse. Ia descendo, quase chegando ao solo, ouviu aquele som, o latido do enorme cão que avançava em sua direção. O Capeta estava solto!
Voltou a subir num salto e ficou rezando pra que o cão, que pulava tentando mordê-lo, não conseguisse alcançá-lo. Atirou no animal as mangas que tinha guardado, mas só enfureceu o bicho ainda mais.Os latidos chegaram aos ouvidos do capataz que apareceu abrindo as ventas.
– Passa Capeta! – enxotou o cão – Pode descer, ladrãozinho.
O menino desceu amedrontado, tinha certeza de que iria apanhar.
–É a última vez que te perdoo, seu safado! Da próxima, te levo pro delegado– e deu-lhe um pescoção.
Correu, atravessou a cerca e de novo se arranhou, mas nem percebeu. Quisera ter a coragem de pegar as mangas caídas, apesar do capataz. Ainda pálido, mais aliviado, correu uns metros na estrada e caiu. Não ficou ali estirado por muito tempo, deu sorte. Da vila, vinha uma carroça em sua direção. O cocheiro deteve o cavalo, desceu para ajudá-lo e ofereceu carona. Deu sorte? – logo atrás do banco, um casal de porcos… Os arranhões, o susto com o Capeta e o capataz, o cheiro de chiqueiro, a fome… A carroça teve de parar pra que ele vomitasse. Vomitasse o quê, se não comia desde o dia anterior? Cuspia uma baba grossa, espuma amarelada, pura bílis.
O homem que guiava a carroça apiedou-se dele, e não quis deixá-lo na porteira do sítio, fez questão de levá-lo até a casa, onde a mãe, aflita, aguardava.
De tão fraco, mal conseguia andar, foi amparado até a cama de colchão surrado. A fome chegara ao cérebro que delirava e repetia: sopa, sopa, a sopa da mamãe…
– Está muito fraco – disse o homem da carroça. – Melhor a senhora dar pra ele o que está pedindo, a sopa – e se foi.
Então ela esquentou novamente o caldo de batatas e tentou dar-lhe colheradas na boca. Não foi difícil, depois de sentir a primeira gota descendo pela garganta, ele despertou, ergueu a cabeça e deixou que, colher após colher, a mãe lhe desse toda a sopa.
– Não precisa se desculpar –disse ela, lendo os pensamentos dele. – Mãe é pra essas coisas.
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